SUPERPOSITION series





portas | 2007 | video still


multiplos | 2007 | video still



cafeteira | 2007 | video still


A cycle of performance filming projection resulting in three video-projections in loop, including: Portas; Multiplos and Cafeteira. All the videos projections are presented in the same size as the real objects.
Ivan Henriques investigation converges towards this perception of reality in layers, as separate states of consciousness.

BEATRIZ LEMOS | RESEARCHER AND INDEPENDENT CURATOR

Memória do corpo e[m] polifonia




Rebeca Rasel

(Artista, pesquisadora e mestranda em artes visuais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Vive e trabalha no Rio de Janeiro.)




A arte da performance, liberando o instante à vertigem da emergência de Universos ao mesmo tempo estranhos e familiares, tem o mérito de levar ao extremo as implicações dessa extração de dimensões intensivas, a-temporais, a-espaciais, a-significantes a partir da teia semiótica da cotidianeidade. (1)



O vídeo possibilitou para a arte uma nova cooperação entre as imagens em movimento e as artes performativas: descolada da idéia de participação ou presença física do espectador, a performance de estúdio, sob o olhar do vídeo, torna-se uma forma distendida de performance. Tal procedimento tornou-se prática artística a partir da década de 1960, principalmente em experimentos como os de Bruce Nauman, Vitto Acconci, Richard Serra, Dennis Oppenheim, dentre outros que criaram em vídeo registros para ações performáticas sem audiência presente no local da ação.


Superposição é um trabalho que propõe inicialmente uma percepção de inúmeras camadas temporais a partir do corte na imagem videográfica: sem a mediação de softwares de edição, o trabalho de superposição de imagens é feito a partir da gravação em tempo presente de uma situação performática que, em seguida, é reprojetada em uma superfície de modo a compor um ‘plano de fundo’ para uma próxima ação do performer. Este processo de captura de imagens + posterior projeção + nova filmagem é realizado até que a performance alcance seu término. Nesse ponto, somos tomados por uma vertigem, pois o trabalho não se limita a movimentos em mera seqüência: na simbiose entre o corpo do artista e o espaço performático do vídeo, encontramos uma a-temporalidade perceptiva que suplanta toda uma leitura sequencial e lógica dos acontecimentos. Deleuze faz uma distinção entre estes tempos: “(...) Aion, que é o tempo indefinido do acontecimento, a linha flutuante que só conhece velocidades, e ao mesmo tempo não pára de dividir o que acontece num já-aí e um ainda-não-aí, um tarde-de-mais e um cedo-demais simultâneos, um algo que ao mesmo tempo vai se passar e acaba de se passar. E Cronos, ao contrário, o tempo da medida, que fixa as coisas e as pessoas, desenvolve uma forma e determina um sujeito.” (2)


Por não estabelecer um desenvolvimento narrativo, a performance para Ivan Henriques torna-se também ato e devir. Ao dissolver os contrastes entre a forma humana e sua sombra eletrônica, não mais encontramos um eu-sujeito ou auto-imagem envolvida: ao eliminamos qualquer subjetividade, percebemos o corpo como seu próprio evento e o vídeo não como mera linguagem ou dispositivo, mas como um lugar sensível onde a criação como ato também se instaura.


Por se tratar de uma construção polifônica que nunca se completa, a performance enquanto ato engendra outros modos de sentir a própria arte e seu mundo: se a inquietação do trabalho é a de nunca sabermos o que irá acontecer - ou se eventualmente irá, podemos dizer que em Superposição não há um litoral ou ponto de chegada: o que o corpo (seja o do artista como o do espectador) absorve e carrega, é simplesmente a memória de seu próprio presente. Desta forma, o afeto de criação é o que permite que gestos cotidianos desdobrem-se em infinitas paisagens estético-sensíveis: “A rigor, nada aconteceu, mas é justamente este nada que nos faz dizer”. (3)



Notas:


GUATTARI, Felix. Caosmose – um novo paradigma estético. São Paulo: 34, 1992, p. 114.


DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia (volume 4). São Paulo: 34, 1997, p. 42.


DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia (volume 3). São Paulo: 34, 1996, p. 65.